Definição
Talvez a forma mais usual e intuitiva
de se iniciar uma introdução de um assunto seja apresentar definição formal,
caso a mesma exista, ou as definições mais aceitas do assunto no
meio acadêmico; sendo assim, comecemos com uma definição:
(Hewett at al.) - “Interação
humano-computador é uma disciplina interessada no designe,
estimativa e implementação de sistemas computacionais interativos
para uso humano e com o estudo dos princípais fenomenos
envolvendo-os.” [1]
Aparentemente esta é a definição
mais utilizada em trabalhos de Interação humano-computador (IHC),
além de estar em vários livros utilizados para lecionar disciplinas
de IHC. Vamos então olhar um pouco mais claramente o que esta
definição atrela à IHC.
Podemos separar a definição em duas
partes: “design, estimativa e implementação de sistemas
computacionais interativos para uso humano” e “estudo dos
principais fenômenos envolvendo-os”. A primeira parte diz respeito
a visão e a abordagem da IHC para um sistema; a IHC se preocupa com
sistemas que serão usados por seres humanos e com o impacto que o
sistema causará na vida de seus usuários; por este motivo, a visão
da IHC para construção de um sistema inicia-se no usuário e
termina nos aspectos mais abstratos do sistema (figura 1).
Figura1: Abordagem de
desenvolvimento de IHC.[2]
Esta visão de desenvolvimento é
oposta a visão utilizadas em outras áreas da computação que
iniciam pela parte de abstrata do sistema e se preocupam menos com a
interação com usuário, esperando que o usuário se adapte ao
sistema e tire o melhor proveito dele.
A segunda parte da definição está
relacionada com as consequências do sistema desenvolvido e seu
impacto na vida do usuário e na sociedade. Algo amplamente comentado
e de certa forma lugar comum é o fato de que a sociedade moderna
está fortemente imersa na utilização de tecnologias de informação
e comunicação(TIC), mas não só como ferramentas; tal influência
chegou a proporções suficientes ao ponto de conseguir mudar
diversos aspectos da realidade humana, como desenvolvimento das
atividades profissionais e pessoais, produção e alteração
cultural, perspectivas individuais, relações sociais, entre muitos
outros aspectos. Isso torna o desenvolvimento do TIC algo muito mais
sério do que o simples desenvolvimento de ferramentas, pois ao se
desenvolver uma nova ferramenta normalmente se altera apenas o modo
como uma tarefa é feita, mas não a motivação da realização da
mesma, nem o modo de pensar do utilizador da ferramenta, ou a cultura
do país que tem acesso a ferramenta. Um exemplo interessante de como
um TIC pode afetar diretamente a dinâmica do usuário pode ser visto
na passagem da cédula de papel para uma urna eletrônica brasileira.
Note que a urna eletrônica brasileira não apresenta nenhum botão
de anulação de voto, apesar de apresentar o botão de voto branco;
além disso, a maneira utilizada pela interface para anular o voto é
bastante anti-intuitiva, pois é necessário colocar um código que
não exista para seu voto ser anulado, quando é muito mais intuitivo
que se você colocar um código que não existe seria dada uma
mensagem de erro e a operação não seria realizada. Sendo assim, a
interface da urna eletronica brasileira claramente tenta desestimular
o usuário a anular o voto [2]. Na verdade, existem muitos outros
exemplos de como as TICs impactam na vida dos usuários, e
provavelmente o próprio leitor pode pensar em como alguma TIC
alterou sua dinâmica diária - talvez uma rede social, um aplicativo
interativo ou tecnologia de suporte em áreas como ensino, saúde e
segurança. Com isso deseja-se chegar no seguinte ponto: é
responsabilidade do desenvolvedor se preocupar de como o resultado de
seu sistema vai impactar na vida do usuário e na sociedade. Algumas
das modificações que serão causadas pelo sistema são
imprevisíveis e não há muito a ser feito sobre isso (talvez apenas
a criação de salvaguardas), mas nas modificações que podem ser
previstas deve-se cuidar da melhor forma possível.
Acredito que a definição esteja bem
esclarecida agora, então vejamos brevemente alguns tópicos
interessantes para a terminar esta introdução.
A área de IHC se mostra muito
importante em diferentes aspectos. Pela introdução, se torna bem
claro que uma das principais importâncias são no bem estar do
usuário e da sociedade, tendo em mente o respeito a individualidade,
cultura e valores dos mesmo, no entanto alguns outros aspectos que
podemos citar são:
Prevenção de Acidentes:
Alguns acidentes realmente sérios têm
como parcela de culpa interfaces mal planejadas. A nome de exemplos citemos dois:
Three
Mile Island accident:
O
reator nuclear da usina de energia de Dauphin County,
Pennsylvania,
sofreu uma fusão parcial. Um dos fatores que agravou o incidente era
uma interface mal projetada que induziu ao funcionário a informações
conflitantes que implicaram no atraso de algumas horas para o
entendimento do problema que estava ocorrendo.
Kegworth
air disaster:
Queda
de um avião e morte de todos os tripulantes, como resultado dos
seguintes fatos: ocorrencia da falha de um dos motores, o comandante
deveria desligar o motor defeituoso deixando apenas o que estava
funcionando ligado, e acidentalmente desligou o motor que estava
funcionando, deixando apenas o defeituoso ligado. No entanto, o fato
poderia ter sido percebido se não houvesse ocorrido a troca do
painel de controle usual por um painel de controle novo; o painel
novo apresentava mostradores de vibração dos motores muito
pequenos, o oposto da versão anterior do painel; assim, os pilotos
não conseguiram identificar a tempo qual o problema que estava
acontecendo.
Benefícios Financeiros:
O desenvolvimento e a aquisição de um
sistema projetado utilizando concepções de IHC são mais custosos,
mas garantem maiores benefícios financeiros de ambos os lados, tanto
para clientes como para os distribuidores. Empresas que adiquirem
esses sistemas aumentam a produção de seus funcionarios, diminuem
gastos com treinamentos, e diminuem número de erros. Empresas que
fornecem esses sistemas têm menor requisição de suporte técnico e
maior satisfação do cliente, resultando em fidelidade do mesmo.
Alguns trabalhos abordam o retorno financeiro dessa abordagem.[3]
Usabilidade e Acessibilidade: Muitas
pesquisas em IHC são feitas em foco na usabilidade universal e
acessibilidade, inclusão de pessoas de todas as faixas etárias,
etnias, classes sociais e portadores de deficiências físicas,
cognitivas, entre outras.[4]
Além desses, outros campos são
estudados pela IHC com o intuito de trazer beneficios aos usuários,
como computação social, realidade aumentada, etc.[4]
Por
ultimo, mas não menos importante gostaria de mencionar a
multidisciplinariadade da área, pois isso abre a possibilidade de
interessados independentes de suas áreas de atuação ou formação
profissional de colabolarem na IHC. Hoje os principais participantes
de desenvolvimento em IHC são profissonais das áreas de computação,
engenharia, psicologia, antropologia, sociologia e ciências da
saúde. Todos esse profissionais de diferentes formações devem
trabalhar juntamente para atingir objetivos em comum, e chegar a um
produto que beneficie a sociedade. Mas talvez algo mais importante é
o fato de que qualquer um pode colaborar para o desenvolvimento se
tiver real interesse - como foi dito, a maior parte dos segmentos da
sociedade moderna (senão todos) de alguma forma interagem com o
computador direta ou indiretamente, e como usuário em sua área
profissional ou vida pessoal você é um ator da interação
humano-computador, podendo contribuir.
Por
fim, gostaria de sugerir a leitura da seguinte matéria que, apesar
um pouco antiga, menciona criação de um software de screen reader
gratuito e livre, por dois desenvolvedores cegos.
http://www.sciencedaily.com/releases/2010/10/101005104450.htm
Diversos tópicos serão trazidos
pensando no tema interação humano-máquina em abordagem diferentes
da disciplina. Esperamos que consigamos colaborar de algumas forma
para o aprendizado do leitor.
Referências:
[2]Barbosa, Simone Diniz Juqueir.
Interação humano-computador. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
[3]Bias, R. & Mayhem, D.
Cost-Justifying Usability. San Francisco, CA: Morgan Kaufmann
Publisher, 2005.
[4] Harry Hochheiser & Jonathan
Lazar (2007): HCI and Societal Issues: A Framework for Engagement,
International Journal of Human-Computer Interaction, 23:3, 339-374